Exclusivo para Assinantes
Saúde Coronavírus Coronavírus

Entenda por que o Brasil resiste a seguir modelo chinês contra o coronavírus

Para missão da OMS que visitou a China, país asiático deu exemplo de combate a coronavírus com medidas restritivas, mas brasileiros rejeitam algumas recomendações
Funcionário higieniza estádio de San Paolo, em Nápoles, na Itália, que sediaria a semifinal da Copa Itália, entre Napoli e Inter de Milão. A partida foi adiada como medida para conter o coronavírus. Foto: CIRO DE LUCA / REUTERS
Funcionário higieniza estádio de San Paolo, em Nápoles, na Itália, que sediaria a semifinal da Copa Itália, entre Napoli e Inter de Milão. A partida foi adiada como medida para conter o coronavírus. Foto: CIRO DE LUCA / REUTERS

SÃO PAULO — Após a China afirmar ter tido sucesso em sua política rigorosa de toque de recolher para conter a disseminação do novo coronavírus, a Itália adota política similar.

Entenda: Especial gráfico mostra tudo sobre o coronavírus

Nesta quarta, o país europeu anunciou que fechou escolas e universidades até o próximo dia 15 e cancelou eventos públicos por um mês. A Organização Mundial da Saúde ( OMS ) recomenda a países com casos estudarem medidas semelhantes, mas autoridades brasileiras ainda resistem a considerar decisões mais drásticas.

A missão médica que a OMS enviou à China no fim de fevereiro voltou com uma recomendação a países que já tenham casos da doença: “conduzir planos multisetoriais de cenários e simulações da implementação de medidas mais estringentes”.

Leia mais: H1N1 foi muito mais letal no Brasil do que o novo coronavírus tem sido na China

Como exemplo a ser considerado, o relatório produzido pelo grupo de 25 médicos menciona “a suspensão de eventos de grandes concentrações e o fechamento de escolas e locais de trabalho”.

O relatório da missão também recomenda “exaustiva busca de casos, teste imediato e isolamento” de infectados pelo vírus, medidas que autoridades de saúde brasileiras rejeitam.

— Não adianta. Não funciona. Como você vai testar todo mundo que chega de viagem? São centenas de pessoas por dia. Vai usar um monte de dinheiro para dizer que o indivíduo tem coronavírus e está assintomático? — questiona David Uip, coordenador do Centro de Contingência do Coronavírus em São Paulo, onde estão os três casos da Covid-19 confirmados até agora no país.

A evolução diária dos casos na China Foto: Editoria de arte O GLOBO
A evolução diária dos casos na China Foto: Editoria de arte O GLOBO

A recomendação para a contenção de surtos da doença que já estejam em andamento, como é o caso da Itália (mas ainda não é o do Brasil), tem como base a experiência da China, que a missão da OMS reconhece como um sucesso. O país onde eclodiu a epidemia, dois meses depois de detectar o vírus, começa a debelar o surto, e o número de pacientes recebendo alta já é maior que o de novos casos registrados a cada dia.

“A abordagem ousada da China para conter a rápida disseminação deste novo patógeno respiratório alterou o curso de uma epidemia mortal e crescente”, diz o documento assinado pelo grupo e publicado na última sexta-feira.

Contatos amplamente rastreados

Outro ponto de possível desacordo entre a missão internacional de médicos e as autoridades brasileiras é o “rastreamento de contatos”: a busca de casos positivos entre aqueles que se aproximaram dos doentes.

A missão da OMS recomenda “meticuloso rastreamento de contatos e quarentena rigorosa”, algo que em larga medida foi empreendido pela China. Em Wuhan, cidade de 11 milhões de habitantes onde a epidemia surgiu, foram recrutadas 1.800 pessoas para fazer rastreamento de contatos. Na China inteira, o governo diz ter rastreado 666 mil pessoas em contato com doentes, 36 mil das quais postas em observação.

Uip critica o esforço empreendido pelos chineses:

— Não precisa. Quem tem perna para ficar seguindo todos os contactantes?

O Ministro da Saúde, Henrique Mandetta, foi mais cuidadoso em avaliar o exemplo da China.

— Não temos nenhuma pretensão de dizer se a medida (na China) foi acertada ou equivocada — afirmou, em entrevista coletiva. — Algumas ações funcionaram, outras não funcionaram. Vamos aprendendo com esses casos.

Mandetta citou o plano britânico como exemplo:

— Lá não se descarta, e o nosso também não, a eventual necessidade de isolamento. Está ali no nosso arsenal. Não descartamos suspensão de aulas. Vamos ver como as coisas se comportam.

Apesar de a China confirmar o maior número possível de casos por exame laboratorial, no Brasil, o Ministério da Saúde indica que não fará o mesmo. O plano de contingência prevê que a testagem de todos os suspeitos só será feita até o país confirmar seu 100º caso, quando entrará em fase de “mitigação”: “A partir deste momento, não se realiza o teste de todos os casos, apenas de casos graves em UTI.”

Segundo o infectologista e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Alberto Chebabo, deixar de fazer testes em pacientes com síndromes respiratórias graves sem histórico de viagens a países com surto de coronavírus pode comprometer o rastreamento de novos casos.

— Uma das grandes críticas nesse momento é não estender a investigação. É ali que você mostra sensibilidade em detectar um caso, porque procurar na população geral aqueles quadros gripais uma positividade para o novo coronavíris é como procurar agulha no palheiro.

Colaborou André de Souza, de Brasília