Economia

Guedes diz que 'cartão vermelho' de Bolsonaro não foi para ele e defende reformas

Segundo ministro, fim da obrigação de reajuste de despesas pela inflação aumentaria poder de decisão do Congresso sobre Orçamento
Presidente Jair Bolsonaro e ministro Paulo Guedes Foto: Pablo Jacob/Agência O Globo
Presidente Jair Bolsonaro e ministro Paulo Guedes Foto: Pablo Jacob/Agência O Globo

BRASÍLIA - Após o presidente Jair Bolsonaro vetar a ideia da equipe econômica de congelar aposentadorias e pensões para abrir espaço no Orçamento para o Renda Brasil, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que a ideia foi mal interpretada pela imprensa e afirmou que o "cartão vermelho" mencionado por Bolsonaro não foi para ele.

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Nesta manhã, Bolsonaro avisou numa rede social que a criação do novo programa social está suspensa até 2022 e que vai manter o Bolsa Família, criado no governo petista e disse que daria um "cartão vermelho" para quem propôs o congelamento de benefícios.

— O cartão vermelho não foi para mim, esclarecendo todo mundo. Eu conversei com o presidente hoje cedo, conversamos sobre as notícias dos jornais. Eu lamentei muito essa interpretação. Na verdade, tem uma PEC falando justamente em devolver à classe política o comando dos orçamentos públicos — afirmou o ministro, em palestra a empresários transmitida pela internet.

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Após a reação de Bolsonaro, às 12h10m, o dólar comercial avançava 0,32%, a R$ 5,2927, depois de tocar R$ 5,2204 na mínima. O Ibovespa, principal índice da B3, chegou a cair após a declaração do presidente, mas mudou de rumo e operava em alta, de 0,11%, aos 100.388 pontos, no início da tarde.

A ideia de congelar benefícios previdenciários foi defendida pelo secretário especial da Fazenda, Waldery Rodrigues, em entrevista ao portal G1.

Presidente Jair Bolsonaro desautoriza proposta da equipe econômica que previa congelamento de aposentadorias para abrir espaço no Orçamento para novo programa social.
Presidente Jair Bolsonaro desautoriza proposta da equipe econômica que previa congelamento de aposentadorias para abrir espaço no Orçamento para novo programa social.

O plano foi confirmado pelo GLOBO com fontes que participam da elaboração da proposta de emenda à Constituição (PEC) do Pacto Federativo, que revisa regras fiscais do país.

Procurado para comentar a proposta nos últimos dois dias, Rodrigues não respondeu. O secretário também deixou de participar de uma coletiva de imprensa do Ministério da Economia na manhã desta terça.

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'Confio na intuição política do presidente'

Segundo Guedes, que classificou o episódio de "barulheira", a proposta em estudo não significaria tirar recursos de mais pobres para criar o novo programa social.

— Se desindexarmos todos os gastos do governo, há uma parte que pega os mais vulneráveis: os idosos, os que têm BPC (benefício pago a idosos e pessoas com deficiência carentes). Agora, de repente você fala assim: 'O governo está tirando dinheiro dos idosos e dos mais frágeis para fazer o Renda Brasil'. Isso é uma ilação. Não é isso que estava no pacto federativo. O que está no pacto federativo é uma desindexação de todos os gastos — disse o ministro.

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Apesar da fala do ministro, governo e Congresso já haviam negociado para tratar, em uma só proposta, de medidas de redução de despesas e a criação do Renda Brasil, que seria uma ampliação do Bolsa Família.

Segundo o ministro, a decisão de Bolsonaro foi política. Sem dar detalhes, Guedes sinalizou que ainda é possível desindexar outras despesas — ou seja, não prever o reajuste pela inflação — mas preservar despesas que atingem mais pobres.

— Evidentemente, politicamente, sempre pode ser decidido: "Não, segue o indexação para os mais frágeis". E foi isso que o presidente hoje falou: "Olha, já que continuam dizendo que estão querendo tirar dinheiro do pobre, que estou querendo dinheiro dos idosos, dos doentes, para fazer o Renda Brasil, então deixa eu deixar muito claro: eu não vou fazer isso". E aí descredenciou então essa ideia do Renda Brasil — disse Guedes.

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De acordo com Guedes, a democracia é "barulhenta", mas há um sinal de que reformas estão sendo encaminhadas.

— A democracia é barulhenta, então faz aquele barulho todo. Mas não prestem atenção no barulho, prestem atenção no sinal. O sinal é: as reformas estão progredindo, a economia está voltando — afirmou.

Ele comentou ainda sua relação com Bolsonaro:

— O presidente diz que não conhece economia e confia no ministro da Economia dele. O ministro da Economia... O presidente diz que ele não entende nada de política. Parece que eu não entendo mesmo. Mas eu confio na intuição política do presidente.

Teto de gastos

Para Guedes, a decisão de Bolsonaro reforçou a defesa do teto de gastos, regra que impede o crescimento de despesas públicas além da inflação.

A busca de fontes de financiamento era justamente uma tentativa de ampliar os recursos para assistência social sem comprometer essa trava.

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Nas primeiras versões, o orçamento para o Renda Brasil chegou a ser estimado em R$ 52 bilhões — cerca de R$ 20 bilhões a mais do previsto para o Bolsa Família.

Ao cancelar o plano, o presidente indicou que prefere não criar o novo benefício e manter o sinal de responsabilidade fiscal, avalia Guedes.

— O presidente reafirmou o conceito de responsabilidade fiscal. Ele abre mão de ter um programa se, primeiro, tiver que ser irresponsável fiscalmente, e dois, também não vai tirar do pobre para dar para os mais pobres. Uma afirmação inequívoca, cristalina — afirmou o ministro.

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A avaliação é compartilhada por aliados. O economista José Márcio Camargo, um dos colaboradores da equipe econômica, afirmou que a decisão tem um lado negativo e outro positivo.

— Por um lado, (a declaração) mata o Renda Brasil. A ideia era racionalizar os programas de transferência de renda e torná-los mais robustos. Por outro lado, a declaração do presidente mostra que ele também está preocupado com o equilíbrio fiscal e vai manter o Bolsa Família que já está aí e não tem aumento de gastos. Há o lado negativo e o lado positivo – disse o economista.

Para ele, não faz sentido mudar o nome do programa, marca do governo petista,  se o Bolsa Família  não será alterado:

— Manter a marca significa manter o programa do jeito que está. Não tem mais Renda Brasil, acabou.